Pensamento Simbio Computacional
Guilherme Silveira
Tem 20 anos que ensino gerações de pessoas, adultos e crianças, a usarem o computador ativamente. Para que deixem de ser consumidores de tecnologias e passem a ser criadores.
Computar é modelar o mundo.
Você quer simular o movimento dos planetas? A matemática e a física com fórmulas fechadas podem ajudar, mas possuem limites enquanto não envolverem o ato de computar.
Nós, humanos, somos máquinas computadoras. Somos capazes de calcular e resolver problemas complexos através do ato de computar processos. Mas somos limitados de memória e capacidade de processamento.
O computador digital revoluciona isso. Quer modelar o que?
- O voo dos pássaros?
- A chance de um desastre ambiental?
- Quando teremos um terremoto?
- Qual produto é o ideal para ser vendido?
- Essa foto é uma fraude?
- A voz de uma pessoa?
O computador vai além e modela também processos de criação!
Somos capazes de modelar arte criada por processos de criação codificados. Sol LeWitt fez isso. No Brasil temos artistas como Waldemar Cordeiro, pioneiro na arte computacional. O Chroreographic Coding Lab codifica digitalmente a dança. Refik Anadol com inteligência artificial. Eu modelei a criação de shows de mágica. Poetas como Allison Parish modelam processos de criação de poesia.
O processo de criação de arte, de poesia, de literatura: todos eles são processos que podem ser modelados computacionalmente.
Claro, todo modelo é uma simplificação. Ele não é perfeito, nem 100% fiel ao que é modelado. Mas se o resultado é bom o suficiente ao ponto de pessoas confundirem sua autoria entre máquina e ser humano, o modelo atinge um objetivo inaugural.
É um teste meu de turing, mas agora aplicado a criação não somente linguística.
O teste segue a linha de “Dada uma obra X, apreciadores são capazes de distinguir se a obra foi criada pelo criador ou pela execução de um modelo digitalizado com IA do processo de criação descrito por tal artista?”
Enquanto Charles Chaplin lançava a crítica do ser humano como apertador de parafusos, a realidade hoje é que podemos automatizar não só os apertos de parafusos como também o modelo computacional de um processo de criação.
Seja um processo determinístico, seja um processo randômico, ambos podem ser emulados à medida que podem ser descritos por seus criadores.
Hoje posso dizer que o processo de criação que desenvolvi para criar cursos pode ser modelado computacionalmente. Claro, meu modelo exige um expertise de 30 anos de programação, 20 anos de criação de cursos, escutar o feedback de milhões de alunos, e ter formado centenas de instrutores no meu processo de criação durante essas décadas. Entendo que outros educadores de tecnologia não tenham ainda essa experiência: eu tenho um processo de criação claro e maduro na minha cabeça depois de tanto tempo.
Mas se modelos de criação como esse podem ser modelados, isso significa que estou pensando de uma forma nova.
Misturando uma forma computacional de pensar com uma forma que usa a inteligência artificial no processo de criação.
A automação é feita através de um modelo de duas partes: a criação através da IA, e o maquinal, repetitivo (computacional) através de programação. Hoje somente programadores especialistas em áreas distintas são capazes de fazer isso com alguma clareza.
Quando me perguntam, o que meus filhos deverão aprender? É essa nova forma de pensar, uma forma computacional criativa artificial.
Seu filho ou filha no mundo de exatas ou humanas ou biológicas está limitado. O futuro da criação parece estar na automação de modelos de criação através de computação digital e inteligência artificial.
Nossos modelos - todos os sistemas desenvolvidos - criados agora dessa forma, são criações cognitivas digitais, com o uso de ferramentas modernas digitais para replicar (modelar) processos humanos de criação.
Assim como para criar modelos puramente computacionais o conhecimento da matemática não basta, para criar tais modelos precisamos de mais do que pensamento computacional.
Para modelá-los precisamos pensar através de modelos que são computacionais, criativos e artificiais. É uma forma de pensar computacional e de criação. Uma forma de pensar sintética, de simbiose humana computador: “pensamento simbio computacional”.
O processo de criação deixa de ser unilateral, onde tradicionalmente o ser humano usa um computador digital como ferramenta. O processo vira de simbiocriação, onde o pensamento simbio computacional permite que ambos criem algo inédito.
É um pensamento artificial que venho explorando que devemos ensinar. É isso que passo a ensinar hoje.
Guilherme Silveira
Referências:
Silveira, G. de A. (2022). Generative magic and designing magic performances with constraint programming. Constraints, 27(168-191). https://doi.org/10.1007/s10601-022-09334-z